O Guia Prático: Estratégia em Produtos Digitais (Para Devs)
Por que o código perfeito não é suficiente (e como o pensamento estratégico pode alavancar sua carreira). Parte 1 de 8
Esta série, "O Guia Prático", foi criada para te dar ferramentas e conhecimento para ir além do código e participar ativamente das decisões que realmente impulsionam o sucesso do produto, o tal do “Impacto”.
Nesta edição, vamos desvendar por que aquela feature que parecia tão óbvia para você talvez não fosse tão estratégica para o negócio.
Ou, melhor ainda, como você pode usar esses conhecimentos para influenciar decisões e se tornar um dev mais valioso (e menos frustrado).
🚀 O que você vai aprender:
O que realmente é estratégia e a diferença entre estratégia pretendida vs. realizada.
4 formas de pensar estratégia (Objetivo, Padrão, Posição, Visão) e quando usar cada uma.
Por que empresas de tecnologia têm tanto sucesso: as quatro alavancas estratégicas (Tecnologia proprietária, Efeito de rede, Economia de escala, Branding).
Por que velocidade importa (mas talvez não do jeito que você pensa) no contexto estratégico.
O Backcasting como ferramenta estratégica e como ele se alinha com o pensamento algorítmico dos devs.
Como aplicar estratégia sendo dev no dia a dia, conectando código com contexto.
Parte 1 de 8: Fundamentos da Estratégia
Estabelecendo as Bases
Como desenvolvedor que está estrategicamente "pivotando" para não ser engolido pela onda de IAs, estou seguindo o caminho de produto para me aprofundar (Engenheiro de Produto), já almejando Estratégia e Liderança no futuro.
Confesso que não foi só por sobrevivência, sempre me intrigou (e às vezes me irritava profundamente) quando via produtos tomando direções que pareciam ir contra tudo o que eu considerava "óbvio".
Você já se pegou pensando:
"Por que não investimos naquela funcionalidade X que claramente seria um sucesso?"
"Por que estamos ignorando a abordagem Y quando todo benchmark aponta que é o caminho?"
"Quem decide essas coisas e baseado em QUÊ?"
Foi exatamente essa frustração que me levou à pergunta que agora direciona minha carreira: Como as empresas realmente decidem o caminho de um produto?
Vamos começar pelos fundamentos, que é onde toda boa arquitetura, de software ou de negócios, precisa começar!
Dica: Tente absorver o conteúdo como se você estivesse criando a sua própria startup 🧠
O que realmente é estratégia?
Sabe aquela sensação quando o PM chega e diz "precisamos pivotar nossa estratégia" e você pensa: "mas a gente tinha uma estratégia?" 😅
Antes de mais nada, vamos definir: estratégia é o planejamento do caminho que precisamos percorrer para alcançar uma meta. É diferente da tática, que são as etapas específicas que executamos no dia a dia.
Pensando em código, é como se a estratégia fosse a arquitetura do sistema que queremos construir, enquanto a tática seria cada função que escrevemos para chegar lá:
🌀 Estratégia boa é estratégia testada
Uma das coisas mais valiosas que aprendi foi: estratégia não precisa (nem deve) ser fixa.
Não é sobre achar o plano perfeito. É sobre escolher uma direção promissora, testar no mundo real, e ter coragem de mudar quando os sinais aparecem.
Se o time tá travado, cheio de dúvidas e teorias… escolhe uma abordagem, define um período (ex: 3 semanas, 1 ciclo de produto), e executa com foco total.
Depois analisa o que funcionou, o que não funcionou e ajusta a rota.
Parece familiar?
É basicamente o mindset de MVP, só que num nível mais alto.
A mesma lógica que usamos pra lançar uma feature enxuta e colher feedback, vale pra decisões de estratégia de negócio também.
No fim das contas, estratégia não é uma fórmula.
É um processo vivo, iterativo. Igual ao software que a gente escreve.
Estratégia pretendida vs. realizada
Se você já participou de uma sprint, sabe como é: o plano parece lindo no planejamento… mas a realidade vem diferente.
No mundo da estratégia, isso também acontece.
A estratégia pretendida é o plano original, aquela apresentação bonita pro time ou pros stakeholders, com roadmap, metas e direções claras.
A estratégia realizada é o que de fato acontece no mundo real. Essa estratégia costuma ser uma mistura de duas coisas:
Deliberada: partes do plano que a gente conseguiu executar direitinho
Emergente: coisas que surgiram no caminho, que ninguém tinha previsto, mas que acabaram virando parte importante da solução
Quer um exemplo?
→ Planejamos entregar 5 features.
→ Entregamos 3 como o planejado.
→ Duas não faziam mais sentido e foram cortadas.
→ Mas no meio do caminho surgiu uma ideia nova, inesperada. E ela virou o destaque da entrega.
Isso é estratégia emergente na prática. E mostra por que flexibilidade estratégica é tão importante quanto ter um plano bem feito.
🧭 4 formas de pensar estratégia (e quando usar cada uma)
Assim como no código, não existe uma única forma certa de fazer estratégia. O que existe é o que faz sentido pro momento que sua empresa está vivendo.
Essas são quatro abordagens diferentes, e como você, como dev, pode reconhecê-las (ou até ajudar a direcioná-las):
1. Estratégia como Objetivo
Quando a empresa já sabe exatamente onde quer chegar e precisa alinhar o time todo pra isso.
Exemplo: OpenAI decidindo ser a infraestrutura global de AGI. Tudo desde produto, a pesquisa, contratação, posicionamento, gira em torno dessa ambição.
🧠 Como dev/líder/founder: seu papel aqui é garantir que as decisões técnicas não só acompanhem, mas acelerem esse objetivo.
2. Estratégia como Padrão
Quando a empresa ainda está explorando, e a estratégia surge dos padrões de decisão ao longo do tempo.
Exemplo: Superhuman, que ignorou o hype de lançar rápido e passou anos refinando o produto até atingir uma experiência 10x melhor.
🧠 Como dev/líder/founder: observe os comportamentos que funcionam e ajude o time a torná-los conscientes. “Estamos sempre priorizando experiência antes de velocidade? Isso já é uma estratégia.”
3. Estratégia como Posição
Quando a empresa escolhe um “território” específico no mercado e decide dominá-lo.
Exemplo: Linear, que não quis competir com JIRA em número de funcionalidades, mas focou em performance e design pra devs que valorizam isso.
🧠 Como dev/líder/founder: pense se suas escolhas técnicas reforçam esse posicionamento ou estão puxando pra outro lado. Foco é diferencial.
4. Estratégia como Visão
Quando o mercado ainda não está pronto mas alguém aposta que vai estar.
Exemplo: Notion, em 2015, apostando em um workspace tudo-em-um quando o normal ainda era usar Google Docs + Trello + Evernote separados.
🧠 Como dev/líder/founder: aqui, você é peça-chave pra tirar essa visão da cabeça do founder e colocar no mundo, mesmo que ninguém mais “veja” ainda.
💯 Por que empresas de tecnologia têm tanto sucesso?
Por trás dos produtos que você mais usa, existem quatro alavancas estratégicas que fazem toda a diferença, e que você, como dev, também pode começar a observar (ou até aplicar).
Tecnologia proprietária: quando a empresa constrói algo difícil de replicar. Pense na Figma e seu motor de design colaborativo no navegador. Não era só “mais um design tool”, era um avanço técnico real.
Efeito de rede: quanto mais gente usa, mais valor o produto entrega. É o que acontece com o Stack Overflow: cada nova pergunta e resposta deixa a plataforma mais útil pra todo mundo (e para treinamento de LLMs 😉).
Economia de escala: quanto maior, mais barato pra operar. A AWS pode oferecer preços competitivos porque opera em escala massiva.
Branding: quando o produto/marca vira referência. É por isso que muitos times usam Vercel. Pela performance sim, mas também pelo posicionamento moderno, developer-first, com docs de cair o queixo.
Pensando no seu produto/app preferido, em qual característica-chave ele se encaixa?
⚡ Velocidade importa (mas talvez não do jeito que você pensa)
Se você já ficou preso tentando “escrever o código perfeito”, sabe como isso pode atrasar todo o projeto.
Em estratégia, acontece algo parecido: muita gente trava buscando o plano ideal, mas esquece que o jogo é dinâmico. Velocidade é crucial na estratégia. Mas não se trata apenas de entregar rápido - é sobre a capacidade de testar, aprender e pivotar com agilidade.
O que importa mesmo é executar rápido o suficiente pra aprender logo.
Não é sobre correr por correr.
É sobre testar, observar, ajustar. Igualzinho a iterar uma feature em produção.
A recomendação é a regra 80-20:
Pense 20% – Execute 80%
Na prática: ao invés de gastar 3 meses organizando uma discovery… (logo abaixo eu explico o que é discovery)
Fale com 5 pessoas em 1 dia.
Capture padrões.
Teste uma solução simples.
Aprenda algo real.
Melhor ter uma estratégia “meia boa” rodando hoje do que uma “perfeita” engavetada pra sempre.
🕵️♂️ O que é “discovery”?
No mundo de produto, discovery é o processo de entender quais problemas realmente valem a pena resolver antes de sair construindo uma solução.
É tipo quando você para e pergunta:
“Será que esse código que eu tô escrevendo… alguém realmente precisa dele?”
Em vez de sair desenvolvendo no automático, o time conversa com usuários, testa hipóteses, valida ideias.
Tudo pra evitar retrabalho lá na frente.
🔄 O Backcasting como ferramenta estratégica
O Backcasting é uma abordagem de planejamento estratégico que inverte a lógica tradicional do planejamento. Em vez de partir do presente e tentar prever o futuro (como no forecasting), você começa definindo um futuro desejado e trabalha de trás para frente, identificando as etapas necessárias para chegar lá.
Como funciona na prática
Imagine que você está criando um planejamento para uma API que vai precisar escalar para 10 milhões de usuários em 18 meses:
Defina o estado futuro detalhadamente: "Uma API processando 10.000 requisições por segundo com latência média de 200ms e 99,9% de uptime"
Trabalhe regressivamente: Identifique os marcos críticos intermediários
Para chegar a 10.000 req/s, precisaremos de um sistema de cache distribuído
Para implementar esse cache, precisaremos primeiro resolver nossa arquitetura de microserviços
Para migrar para microserviços, precisamos antes refatorar nosso sistema de autenticação
Mapeie os obstáculos potenciais:
Dívidas técnicas atuais que podem impedir a escalabilidade
Limitações de recursos (equipe, infraestrutura)
Interdependências com outros sistemas
Crie um roadmap reverso: Estabeleça o que precisa estar pronto em cada fase retroativa
12 meses antes: arquitetura definida
9 meses antes: sistema de autenticação refatorado
6 meses antes: primeiros microserviços implantados
etc.
O Backcasting se alinha naturalmente com o pensamento algorítmico dos devs porque:
Começa com a definição clara do "problema resolvido" (o estado final desejado)
Decompõe esse objetivo em subproblemas menores e solucionáveis
Estabelece dependências e sequências lógicas entre as etapas
Identifica antecipadamente potenciais gargalos e riscos
É como fazer debug de um código que ainda não escrevemos.
Definimos o comportamento esperado e então trabalhamos para trás para determinar como implementá-lo.
💻 Como aplicar estratégia sendo dev
Se você é dev e quer ter mais voz nas decisões, começar a pensar como founder ou simplesmente entender melhor os rumos da empresa.
Não precisa virar PM. Mas precisa começar a conectar o código com o contexto.
Aqui vão 4 formas práticas de fazer isso no dia a dia:
1. Entenda o modelo de negócio:
Antes de sugerir um refactor, nova lib ou feature, pergunte:
→ Como essa empresa ganha dinheiro?
→ O que ela está tentando conquistar nos próximos meses?
Saber isso muda completamente a forma de priorizar (e de argumentar).
2. Pense em cenários
Desenvolver é tomar decisões hoje que precisam funcionar amanhã.
Se o mercado mudar?
Se o time crescer?
Se dobrar a base de usuários?
Bons devs antecipam essas rotas. Ótimos devs já têm planos pra cada uma.
3. Traduza código em impacto
Não basta propor “usar fila”, “escalar por microserviços” ou “reescrever em Go”.
Explique como isso afeta o negócio:
→ Reduz custo?
→ Melhora retenção?
→ Libera time pra inovar mais rápido?
Fale a língua de quem toma decisão.
Muitos devs têm dificuldade nisso (eu incluso). Mas essa é pra você, Diniz 👋
4. Ajuste a rota sempre que precisar
Estratégia não é algo que você escreve numa lousa e deixa lá pra sempre.
Ela muda com o tempo, com os aprendizados, com os dados. Esteja aberto a ajustar a rota baseado em feedbacks e resultados reais.
Seja flexível. O nome do jogo é adaptação.
🧩 Pra pensar (de verdade)
Antes de fechar essa primeira edição, te deixo com algumas perguntas que podem te ajudar a enxergar seu trabalho com outros olhos e, quem sabe, puxar conversas diferentes aí dentro da sua empresa:
Qual das quatro estratégias sua empresa segue hoje? Objetivo? Padrão? Posição? Visão?
→ E será que essa abordagem faz sentido pro estágio atual do produto?
Seu código conversa com a estratégia da empresa?
→ Ou você tá só apagando incêndio e entregando tarefa?
Seu time tá mais pra planejamento ou execução?
→ O ritmo atual tá te ajudando ou atrapalhando a evoluir o produto?
Existe alguma tecnologia difícil de copiar no que vocês fazem?
→ Se não tiver, como dá pra criar uma?
Como seu produto poderia ser mais valioso a cada novo usuário?
→ Tem espaço pra efeito de rede aí? Você pode ajudar a desenhar isso?
📣 Não perca as próximas edições!
🔮 Na próxima edição: Vamos mergulhar na Modelos de Negócios - A estrutura que sustenta todo produto digital.
Vamos explorar o poderoso Business Model Canvas e entender como diferentes modelos (marketplace, SaaS, etc.) funcionam na prática.
Além disso, analisaremos um caso real de preenchimento do BMC usando o 💜 Nubank como exemplo.
Até lá!
Se gostou do conteúdo, compartilhe com aquele amigo dev que está sempre frustrado com decisões de produto. Quem sabe ele finalmente entende por que aquela feature incrível dele não foi priorizada! 😉
P.S.: Conhece o André Nery? Ele é professor de Estratégia de Negócios no MBA da TERA e tem um conteúdo incrível no LinkedIn!
Artigo muito bem feito e tópico importantíssimo, em! Parabéns pelo trabalho :)